Assim nascem os textos... Sem avisar... Bater na porta, ou mandar recados... Não se mostram, apenas chegam, e chegando não findam... São perenes, reais e eternos...

Por: Beth Brito

domingo, julho 19, 2009


A Cortesã e a cama de ferro


... Fora de mim,

fora de nós, no espaço, no vago...

A música dolente de uma valsa

Em mim, profundamente em mim

A música dolente do teu corpo

E em tudo, vivendo o momento de todas as coisas

A música da noite iluminada...

O ritmo do teu corpo no meu corpo...

O giro suave da valsa longínqua, da valsa suspensa...

Meu peito vivendo teu peito

Meus olhos bebendo teus olhos, bebendo teu rosto

E a vontade de chorar que vinha de todas as coisas...



Década de 30, eis a inquietação da jovem, 25 anos, Recife, Rua da Aurora, 1020...
"...E a vontade de chorar que vinha de todas as coisas..."

Desirré... Apelido da velha guerra... Tempos que os casarões do Recife antigo serviam como desabafo dos homens... Gritos, bebidas, orgias... Muito sexo e cigarro... Por volta das 22h00min, a noite boêmia estava apenas começando, as “cortesãs” do velho mundo estavam à espera de seus clientes... Os mais inusitados possíveis... Ricos, pobres, pretos, brancos...
Desirré, uma das mais jovens, ainda iniciando sua vida mundana, sonhava com o que não existia... Nem naquela época, muito menos no século XXI... O homem fiel, sincero, romântico... Que a tiraria daquela vida grotesca e tão cheia de malefícios... Muitas jóias, presentes... Em troca de uma noite de usos e desusos.
Ia-se o primeiro... O segundo... E assim à noite adentro... Às vezes nem lembrara de quantos “clientes” atendera numa noite...
A sala pintada de rosa escuro, quase um tom rubro, a escadaria de madeira tingida de ouro – Tinta, mas da cor de ouro – para mostrar um ar de que a “Casa de D. Madley” era bem freqüentada... Oito quartos muitos espelhos, bar, cozinha... Tapetes, mesas... Tudo fino, D. Madley, Francesa, bom gosto tinha.
Desirré, há três anos nessa vida, e nada de bom acontecia, só gozo, gritos, sussurros... O homem que levanta e vai embora para os braços da esposa...

“Fora de mim, fora de nós, no espaço no vago...” Sim, tão dentro e tão fora ao mesmo tempo, no espaço do quarto, na cama de ferro roliço, vindo de Amsterdã... No vago do coração que ainda sonhara com o príncipe...

D. Madley, corajosa e de vida espinhosa, aos 55 anos não ganhava mais a vida atendendo “clientes”, mas, como “empresária”... Agora ela era a dona da vez.
A desilusão a qual passava Desirré, todos os dias, a adoecera... Trancada no quarto, pálida, doente da alma... O fogo vinha se apagando aos poucos, ao passar dos anos... E o quadro que de leve virou um peso, arrumou as malas e decidiu ir embora... Levando só os tostões que juntara e as poucas roupas que tinha...

Ao descer as escadas, na sala de visita, D. Madley a esperava, sentada de óculos, com um envelope nas mãos...

- Senhora, não agüento mais essa vida. Perdoe-me!
- Você é a dona de suas passadas, dona de seu corpo, dona de você.
- Vou seguir um caminho diferente, tentar ser feliz, casar e ter filhos, ter um lar...

Em silêncio, D. Madley a entrega o envelope:

- Eis uns tostões para se manter por um tempo.
- E ouça o meu conselho mais precioso:

NÃO BUSQUE A FELICIDADE NOS BRAÇOS DE UM HOMEM, POIS ESTES SÃO TODOS HIPÓCRITAS.

E mais uma vez, a vontade de chorar a acompanha... Por muitos anos... E junto com esses pensamentos, a lembrança da sua cama de ferro...Que por tantos anos fora sua companheira nos choros mais demorados...



Beth Brito

2009

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